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A escrita deve ser simples ou rebuscada?

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sábado, 5 de novembro de 2022 - 07:56
Prosseguindo na minha lenta evolução nos estudos, deparei-me com um trecho do livro "A educação da vontade", de Jules Payot, que à primeira vista (aliás, pra ser sincero, até agora) não fez muito sentido para mim:

Max Müller calculou que o número de palavras usadas por um inglês cultivado está entre três ou quatro mil; o das palavras usadas pelos grandes mestres, entre quinze e vinte mil; muito bem, é no catálogo das palavras que só raramente são usadas na conversação, e que fazem a diferença entre a bagagem do homem do mundo e a do pensador, que se encontra tudo o que é grande, nobre, elevado. Infelizmente, acontece com essa elevação que o pensamento produz na linguagem o mesmo que nas montanhas: o vulgo pode fazer breves excursões às alturas, mas são as planícies que ele habita. Eis porque as associações de ideias vão contra tudo aquilo que é elevado.

As chances de eu não ter entendido o que Payot quis dizer são de 9 em 10, e isso tem um motivo óbvio: ele é Jules Payot e eu sou uma anta batizada. Ainda assim, recordei-me de que Sêneca enfatiza muito nos seus ensinamentos e textos uma grande preocupação em priorizar o conteúdo e não a forma, buscando sempre a simplicidade e a sinceridade. A profusão de trechos com essas exortações em suas cartas é prova inconteste dessa preocupação. Transcrevo os que identifiquei abaixo:

Reclamas que para ti cartas sem muito apuro são enviadas por mim. Quem, pois, fala de modo apurado senão aquele que quer falar de modo afetado?

O que aconselho é ouvir os filósofos e a lê-los tendo em vista o propósito de uma vida feliz, sem ficar em busca de palavras arcaicas ou forjadas e metáforas ousadas e figuras de linguagem, mas sim de preceitos úteis e expressões elevadas e vigorosas que logo sejam aplicadas à vida real.

Gasta-se a sutileza de nosso pensamento em coisas supérfluas; essas indagações não nos tornam bons, mas doutos. Coisa mais acessível é a sabedoria, ou melhor, mais simples: pouca erudição é o bastante para uma alma virtuosa[... ]

De fato, o que é mais torpe do que a filosofia buscar aplausos? (... ) Porém, importa que eles (os ouvintes) se comovam pelo conteúdo, não pelas palavras bem-compostas; de outro modo a eloquência lhes é nociva se desperta atração não para a matéria, mas para si mesma.

Não quero, meu caro Lucílio, que fiques muito preocupado em relação às palavras e ao modo de compô-las: tenho coisas mais importantes para cuidar. Pondera sobre o que escrever, não sobre como. E isso, não a fim só de escrever algo, mas de senti-lo, de modo que aquilo que sentires possas mais aplicar a ti mesmo e como que imprimir-lhe tua marca.

Ao deparares com uma linguagem de alguém que seja muito esmerada e polida, saibas que sua alma também está não menos ocupada com coisas pequenas. A alma realmente grande fala de modo mais atenuado e despreocupado; tudo que ela diz denota mais confiabilidade do que cuidado.

Pois bem, como já escrevi anteriormente, Bruno Magalhães nos ensina, em seu curso Introdução à vida intelectual, o exercício de promover uma dialética entre os autores.


Foi justamente por lembrar desse exercício quando li a passagem de Payot transcrita lá em cima que decidi respirar fundo, contar até três(zentos) e dividir com meus leitores a "discórdia" (se é que há, pois lembrem-se da boa possibilidade de eu ter entendido errado) entre esses dois gênios e minha humilde opinião sobre quem está certo.

Como já escrevi em outras ocasiões, meus objetivos com os estudos resumem-se a um, muito simples e nada fácil: Ser uma pessoa melhor através deles. Assim, a questão de quem está ou não certo, caso haja divergência, é relevante, porque preciso garantir que entendi perfeitamente tanto o que os autores quiseram dizer com seus textos quanto as diferenças de visões entre eles sobre um mesmo assunto.

Outro motivo que dá importância à resposta sobre quem está certo é que como somos, feliz e infelizmente, animais gregários, existe a (remota) possibilidade de alguém vir me perguntar algo sobre o tema. Nesse momento, tenho que estar o mais em preparado possível, principalmente se esse alguém for uma pessoa amada, como um membro da minha família, por exemplo.

Deixarei, então, de encheção de linguiça para dizer que nessa "contenda" entre Payot e Sêneca, dou razão ao último. Claro 'que a riqueza vocabular, mencionada por Payot, é necessária e benéfica. Tanto isso é verdade que Flávio Morgenstern, da Formação SensoIncomum, propõe que tenhamos um caderno só parar anotar palavras novas, seu significado e exemplos de uso.

Oras, mas, então, para que servem as palavras difíceis se não se prestam ao serviço de transmitir as ideias da forma mais clara e precisa possível? As palavras por si sós, creio que para pouca coisa, mas o que Morgenstern propõe é um exercício intelectual. Seus benefícios são análogos àqueles obtidos quando fazemos uma sessão de levantamento de peso ou uma corrida de 10 km. Ao despendermos energia intelectual (ou física) para executá-lo, estamos reforçando nossa inteligência (ou nosso corpo). Talvez, seja esse, afinal, o objetivo de Payot ao escrever o que escreveu lá no segundo parágrafo.

Com isso, a conclusão a que chego é que embora o conteúdo seja sempre o mais importante, a forma pode, ainda que indiretamente, nos ajudar a nos desenvolvemos intelectualmente.

Deve-se tomar cuidado, entretanto, para não confundir escrita simples com escrita mal escrita, pois como nos ensina Morgenstern, o cuidado com a gramática transmite ao leitor uma impressão de confiabilidade.

Vejo ainda uma outra vantagem na escrita simples: para quem deseja escrever publicamente, o alcance de um texto simples é maior e pode até mesmo encorajar quem o lê a começar a empreender sua própria busca pelo conhecimento.

Por fim, caro leitor, uma última dica, já muito usada na nossa infância e que foi esquecida com o passar dos anos e o crescer das responsabilidades da vida adulta, mas cuja utilidade volta com força total nesse nosso retorno aos estudos: tenha sempre à mão um dicionário.

Um abraço e até a próxima!

Fonte: Coelho de Programa

Leia mais sobre: jules payot, sêneca, flávio morgenstern

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